segunda-feira, junho 06, 2005

Fuligem

Acordo invariavelmente no mesmo deserto de sempre. Sozinho. Levanto-me e caminho á deriva, e por mais sombras ou oásis que encontre, não refreio o passo para me refrescar. Ao invés, invisto com mais tenacidade em direcção ao sol, que me vai mudando a cor da tez para um negro pardacento, que é em tudo semelhante ao meu interior, um negro que iguala a paisagem circundante, enquanto o dia come minutos para apressar a vinda da noite. Quando esta chega, limito-me a parar e deixo-me tombar, dormente e de olhos postos no céu, como se de lá pudessem vir respostas, como se esperasse algo de transcendente, algo que viesse alumiar um caminho pré-definido e de rota há muito traçada. O corpo ressente-se e está cada vez mais cansado, demasiadamente enfraquecido para prosseguir.

Desconcertado e contrafeito. Sinto-me como um balão, que lentamente vai ficando sem ar, cada vez mais vazio e sem conteúdo, sem luz. Parece que algo me vai sugando a vida e a vontade própria, como um co-piloto suicida, que insiste nas coordenadas em direcção ao abismo mais próximo. Para evitar um corte abrupto com tudo, tendo a moldar-me aos tempos e ás necessidades, mas apenas por não conseguir moldar o que me rodeia á minha imagem e conveniência. Após anos e anos de combate teórico, a escassez de voluntários para o combate real irá fazer com que me resigne e aceite pacatamente, tipo carneirinho, todo este plástico que me envolve.

Ineficaz, quase inoperante. A luta permanente para continuar a acreditar nos sonhos é, no mínimo, desgastante. E falo apenas em manter a fé em algo de bom ( ou de melhor ), pois a vontade de lutar por eles, pelos projectos começados na infância e cimentados na adolescência, é de uma inconstância tenebrosa e assustadora. Fico por ali, naquele limbo, entre a vontade de fazer mais alguma coisa, de ir mais além, e a crescente indolência e resignação de quem se começa a achar demasiado velho para tentar outra vez, mais uma vez. Estou farto de levar chapadas sem mão.

E por mais cores que o sol me traga, cada vez mais, tudo me parece coberto de uma espessa camada de fuligem, uma massa de cor indefinida, que transforma os meus dias em serenas e lentas repetições de tristeza. O meu sorriso mais sincero foi há muito substituído por um esgar sarcástico, que só serve para iludir os mais próximos, ocultando o meu desespero, aliado maior da minha eterna vontade de desaparecer sem deixar rasto. Ainda assim, por algum motivo que ainda não descortinei, existe algo que não me deixa desligar de tudo e desistir de vez. Só me questiono até quando conseguirei continuar a acordar e deixar-me ir, em piloto automático, nesta rotina…

Comments:
profundo... se keres lutar pls teus sonhos arranja forças p tal. desistir é p os fracos!
 
Nem sempre a obra apresentada reflecte o estado de espírito do seu autor... E o autor não sente necessidade de explicar o que quer que seja acerca da obra apresentada.

Certas coisas são de um certo modo apenas porque são desse modo, nada mais. É para ler e para que cada um tire as suas próprias conclusões
 
SALTA!!SALTA!SALTA!!!
 
no sky diving here, sorry!!! ;-)
 
Profundo... parece um livro de Mary H.J...
 
Os textos existencialistas estão em alta na blogosfera - e nem estamos no Inverno. Gostei da metáfora da fuligem.
 
Considero e agradeço todos os comentários a este texto ( mesmo aqueles que me foram feitos fora blogsfera ), mas deixo uma chamada de atenção especial ao primo Bush e ao primo HR, por terem "captado" a essência da coisa!
 
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